Vossa Excelência, saia daí!

27/11/2014 15:23:48
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Sofro de uma síndrome de não sei o quê. Acho que é algo comum entre os cronistas. Inclusive, em mim, os sintomas desse mal não são novidade. Costumava usá-los como combustível para minhas crônicas levando o leitor para um passeio ao fim do texto, na intenção de garantir um bom momento de reflexão e relax. Para mim, e para quem usa um átimo do seu tempo lendo o que escrevo, pode ser divertido passear pelas palavras.

Mas ando penando para redigir as últimas crônicas. O peso da responsabilidade me assola. Como admiradora inconteste de Manoel de Barros, poeta que acaba de virar passarinho*, empaco me perguntando como divagar sobre nada ou sobre as coisas desimportantes da vida ao lado das infelizmente necessárias manchetes sobre corrupção. Tento focar nos temas da hora, mas sou obrigada a reconhecer que o contrário é minha vocação. Raspas e restos são tudo o que me interessa. E pior, pratico o delay por esporte. Gosto de deixar passar um tempo para comentar certo assunto.

Desse jeito não consigo juntar as frases. Pra escrever é preciso fazer um bom amarrado no início, de forma que fique um trançado forte e o leitor possa singrar o texto comigo até o final. Variando entre as hard news e, digamos, porra nenhuma, rascunho um texto mole, que não convence nem a escriba. E tenho a convicção de que nem eu, nem ninguém merece ler uma notícia de manhã no jornal, saber da repercussão no facebook, rever a manchete no site, ouvir o mesmo áudio no rádio e à noite, last but not least, assistir a tudo de novo na tv.

Não mereço saber que mais um homem violentou uma mulher, que outro homossexual foi atacado, que a falta água vai nos asfixiar em breve futuro, que a presidente mal define o seus ministros, que mais donativos foram esquecidos, destruídos ou roubados. Já nos casos de corrupção, repudiar é o verbo da hora. As denúncias se avolumam e eles dizem o quê em cadeia nacional fazendo de seus ventríloquos os locutores de bancada? Eu repudio, tu repudias, ele repudia. Não entendo com ainda chamam as notícias de “News”, porque, obviamente, de novo nada têm. Isto sim é o verdadeiro vazio. Ao contrário da poesia, diga-se.

Acabo me sentindo um tanto ridícula opinando sobre política, fora o fato de que me dá muita raiva toda essa repetição e mesmice. É tudo tão óbvio, que resumo assim: enquanto Renan Calheiros não estiver na cadeia; enquanto estiver este senhor fazendo sucessor, ora, façam-me o favor! Não é possível levar a sério essa bagunça. Rascunhei esse texto no início da semana e surpreendentemente, hoje ao abrir o jornal, me vejo absolutamente atual.

Tenho a rara chance de um gancho para o título. De onde escrevo – uma modesta escrivaninha em uma das mais de cinco mil cidades deste país – minha indignação é inócua. De que adianta escrever com garra: tirem o lobo da porta do galinheiro, tirem de lá o Renan Calheiros? Mas eis que um senador cuja índole desconheço, de repente berra da nossa tribuna, um lugar bem mais audível: “Vossa Excelência, saia daí!”

 
*Momento de pausa: cuiabano, o poeta certamente virou tu-you-you!

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