UMA PADARIA MUITO POPULAR

31/07/2018 12:13:22
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A existência humana pode ser comparada a uma grandiosa peça teatral, dividida em vários atos, que são as diversas fases da vida.  Tudo aquilo que entrou na composição do cenário de nossa infância ou juventude, é para nós muito marcante, tornando-se, cada vez, mais significativo, à medida que vai passando o tempo.

É assim, sempre com muito carinho, que me recordo da “Padaria Flor do Oriente” – a popular  “Padaria do Mello ou do Mellinho” – a padaria da minha meninice que, na Rua Oliveira Botelho (antiga Três de Outubro) nº 65, permaneceu da mesma forma, por quase setenta anos, desde que foi fundada, em 1931.

As primeiras recordações que guardo da referida panificação, datam da década de 1940 – por ocasião do final da II Guerra Mundial e algum tempo depois – em que o Brasil e o mundo sofriam com a escassez de vários  produtos, inclusive com a do trigo e, consequentemente, com a falta de pão. Este era substituído, muitas vezes, no café da manhã e na hora do lanche, pela batata doce cozida.

Quando alguma farinha de trigo era conseguida, vinha misturada com fubá, o que tornava o pão muito pesado e de massa escura. Mesmo assim, quando cheirinho do pão assado chegava à minha casa, na Rua Fernando Bizzotto (na época, Rua Campesina), era motivo de alegria e hora de correr à “Padaria do Mello” para se adquirir o raro produto.

Desde a mais remota antiguidade que o ser humano, no tempo e no espaço, tem se alimentado desta extraordinária mistura de trigo, água e fermento.  Isto significa que todos os povos, em todas as épocas, em todas as regiões do globo, sempre comeram pão e continuarão a comê-lo, pelos séculos afora.

A variedade quanto à forma e quanto ao sabor é surpreendente: pão ázimo ou pão árabe (sem fermento), pão integral, pão provença,  pão francês, pão alemão, pão mineiro, pão de leite, pão doce, pão de sanduiche, pão de hamburguer,  pão careca, pão massa fina, pão de forma, panetone.

O pão se divinizou, quando Jesus – na última ceia, com seus apóstolos – tomando-o em suas mãos, o partiu, dizendo: “ISTO É O MEU CORPO”.

Foi assim, compreendendo o valor e a importância de tão básico alimento que, um dia, o Sr. Alberto Magno Teixeira de Mello resolveu se dedicar à tarefa sublime e milenar de fazer pão.

Ele chegou a Nova Friburgo, na década de 1910, com sua esposa, D. América Roca Mello (filha do Coronel Américo Ferreira da Rocha), e com seus filhos Américo, João e Walter, procedentes de São José do Ribeirão – Bom Jardim.

Aqui, foram nascendo os outros filhos: Carlos Magno, Geraldo, Homero, Ondina (aplicada aluna da Profa. Helena Coutinho, que faleceria aos 10 anos de idade), Romeu e Lourdes.

À medida que a família crescia, D. América, que tocava violino,  ia substituindo  a arte, pelo cumprimento das tarefas domésticas, enquanto o Sr. Alberto Magno, conhecido por “Mellinho”, exercia diversas atividades    tendo sido, por algum tempo, em sociedade com o Sr. Amaro Pinto Vasconcelos, dono da “Pensão Amaro”.

Finalmente, em 1º de maio de 1931, o “Seu Mellinho” concretizava o seu tão adiado projeto, inaugurando a sua padaria, na Rua Oliveira Botelho.  Iria contar com a ajuda dos filhos, no exaustivo trabalho da panificação.

No local onde ficava o forno, havia funcionado a mercearia de Domingos de Oliveira (homônimo do proprietário d “O Palácio dos Livros”) e a fábrica de ladrilhos do Sr. Marccuce, esposo de D. Josefina Carestiato (é provável que a citada indústria tenha sido o embrião da atuante “Fábrica de Ladrilhos São José, Rua Solon de Pontes, nº 54, de Heber Carestiato).

A família estava sempre unida, morando numa casa, ao lado da padaria.

Com o passar do tempo, alguns filhos foram seguindo suas próprias vocações: Américo, funcionário da Companhia Souza Cruz; Romeu, da Empresa de Correios e Telégrafos, tocava trombone na banda Campesina Friburguense; João, engenheiro civil, em Santa Catarina; Walter, ligado à Botânica.

Os demais filhos, Gerson, Geraldo e Homero continuavam ao lado do pai, na sua atividade, enquanto Carlos Magno (contabilista formado, sem exercer a sua profissão) ficava no depósito de pães na Rua Moisés Amélio.  A filha Lourdes, esposa e mãe, casada com o Sr. Carlos Schimidt, quando necessário, ajudava no caixa, assim como a cunhada Lourdes- casada com Geraldo- que prestava a sua valiosa colaboração. O “vitalício” funcionário Fernando, considerado da família, fazia as entregas das encomendas a domicílio, de bicicleta.

Em 1970, o patriarca da família faleceu aos 80 anos de idade e, alguns anos depois, deixava este mundo o filho Gerson. Apesar das vicissitudes da vida, Homero, sempre otimista, não se deixava abater, e quando perguntado se ia tudo bem, respondia com um sonoro e prolongado: Fiiiiiiiiirme!…

“Padaria Flor do Oriente”, a popular “Padaria do Mellinho”, depois de sete décadas, sempre com a mesma família de proprietários a exercer a nobre missão de fazer o pão, encerrou as suas atividades, com o século que se foi.

Realmente, nesta existência, tudo passa. Nada é para sempre.

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