Finados – Hábitos e costumes do luto antigamente

01/11/2018 19:55:43
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Aqueles, cujas vidas se findaram no mundo terreno, permanecem sempre vivos em nossos corações, sendo reverenciados, em data especial a eles dedicada, o “Dia dos Finados”, quando as recordações se multiplicam e a saudade aumenta, sendo ferida a nossa alma.
A referida data nos reporta a décadas passadas quando os costumes e as atitudes decorrentes de um falecimento, eram bem diversos dos de hoje.

Os mortos, vestidos de mortalha, eram velados em suas residências e os sepultamentos só se realizavam depois de 24 horas. Em nossa cidade, meninos passavam pelo comércio e pelas ruas transversais, espalhando anúncios fúnebres, mandados imprimir pela funerária contratada para fornecer o caixão. Os caixões eram de tábuas revestidas de tecidos roxo, lilás, preto com detalhes dourados e branco, este último para virgens e crianças. As tampas eram amarradas por fita de cetim.

Os cortejos fúnebres, obrigatoriamente, faziam o seu trajeto a pé, pela Alberto Braune, porque o morto era conduzido em seu esquife, por mãos solidárias e vigorosas à Matriz, para a “ encomendação do corpo”, enquanto os sinos dobravam e, a seguir, levado ao cemitério ( tal costume perduraria até fins da década de 1960). O piedoso Teófilo Marra acompanhava todos os enterros, se tornando por isso uma pessoa popular e querida (seu nome ficaria imortalizado numa rua, no bairro do Cordoeira).

As viúvas, as filhas e as parentas mais próximas, durante seis meses, se trajavam de“ luto fechado” (vestido, meias, sapatos, bolsa, chapéu, na cor preta) e seis meses de “luto aliviado” (quando era permitido o preto e banco). Os homens usavam terno preto, podendo usar outra tonalidade, se colocassem uma faixa de tecido preto, na lapela do paletó.

As mulheres que permanecessem viúvas deveriam usar cores discretas como azul- marinho, cinza, preto e branco, verde-musgo, caso contrário, ficariam mal vistas, sendo chamadas de “viúva alegre”.

O luto era algo tão rigoroso que, na cidade do Rio de Janeiro, no final do Século XIX, primeiros anos do Século XX, havia uma loja especializada, de tecidos e outros acessórios, chamada “Casa das Fazendas Pretas”. Fundada em 1871, num modesto prédio da Rua da Quitanda, por Pedro Siqueira Queiroz, passou para a Rua Uruguaiana nº 76, onde permaneceu por muitos anos. Mais tarde, com a morte do fundador, o comércio teve continuidade com Pedro Siqueira Queiroz Filho, sendo transferida para a Avenida Rio Branco nº 141-143 (meu avô materno, Antônio Baptista Ferreira Alves, contador, na época, chamado guarda-livros, fazia a contabilidade desta firma comercial).

Ela era tão completa, que possuía equipes de modistas, costureiras e alfaiates que iam à residência da família enlutada, para tirar as medidas, levando amostras dos tecidos a serem escolhidos, porque os familiares mais próximos da pessoa falecida não deveriam sair de casa, antes da “Missa de 7º Dia”, e nem à ela comparecerem, sem o traje apropriado. A citada missa era celebrada por um sacerdote usando paramentos pretos e a igreja despida de flores.

Em nossa cidade, no entanto, deu-se um fato inusitado. O Acadêmico Afonso Freire da Academia Friburguense de Letras, estando enfermo, e ao sentir que seu estado de saúde se agravava- imbuído de profunda fé e autêntica religiosidade- era quem consolava seus familiares e amigos, com palavras encorajadoras. Certo dia, os ouvintes da Rádio Sociedade de Friburgo foram surpreendidos por uma nota, um tanto contraditória: Missa em Ação de Graças pelo falecimento do Sr. Afonso Freire. Mas como? O locutor não teria se enganado? Render graças pela morte de alguém? A notícia estava correta, apenas comunicava o cumprimento do último desejo do enfermo Afonso Freire. Na sua Missa de 7º Dia, celebrada pelo Padre Jesuíta Affonso Rodrigues (seu guia espiritual) de paramentos brancos, a Catedral estava, magnificamente, ornamentada por flores brancas, como para um casamento.

Para os incrédulos, um ato extravagante, insensato, inusitado. Para os que creem, como ele acreditava, um ato justificável que demonstra a convicção de que a morte é o começo da verdadeira vida. Tudo mais é efêmero e ilusório.

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