Era uma vez uma casa e suas múltiplas histórias

23/08/2018 19:15:20
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Apego ao passado? Excesso de sentimentalismo? Saudosismo exagerado?

Na verdade, a demolição de um prédio antigo me sensibiliza sobremaneira, principalmente, se tal imóvel tiver muito para nos contar.

Foi o que aconteceu com a casa de nº 76, da Rua Fernando Bizzotto, demolida no primeiro semestre de 2004, construída na década de 1920, pelo Sr. Valentim Bizzotto, irmão de Ernesto e de Fernando Bizzotto. Ele, também, havia construído na década anterior, a residência existente ao lado, a de nº80 (hoje, Edifício Anita Bizzotto), onde morava com a família.
Quando Odete, a filha mais nova do “Seu” Valentim, casou-se com Omar Almeida (professor de matemática e latim), no início dos anos 30, o novo casal passou a residir na referida casa 76. Nela, o jovem mestre – que lecionava no Colégio Modelo- instalou um curso, com alguns professores do referido educandário. Foram alunos, dentre outros, João Baptista Bussinger (futuro advogado) e Humberto Guariglia Filho, o “Perigo” (futuro advogado e delegado de polícia).

Professor Omar, ex- seminarista, viera do Rio de Janeiro para lecionar em Nova Friburgo, ficando hospedado na pensão de D. Luísa Mieli Bizzotto (esposa de Fernando Bizzotto), num sobrado da mesma rua, de nº 48, (ainda existente), em cujo térreo funcionava a “Oficina Bizzotto”. Daí o conhecimento com a jovem Odete, sobrinha de Fernando e Luísa.

Não demoraria muito, e o lar do novo casal seria enriquecido com o nascimento dos filhos Egberto e Ronaldo.

Prof. Omar, ao mesmo tempo que exercia a sua nobre profissão, era um entusiasmado ativista político, pertencendo ao Partido Integralista, fundado por Dr. Plínio Salgado.
Quando este vinha a Nova Friburgo, ficava hospedado na residência do Prof. Omar, proferindo os seus discursos políticos, de uma das janelas da casa de nº 76, onde era hasteada a bandeira do partido, no mastro fixado num dos pilares do portão lateral.

Os partidários de “camisas verdes”, com braçadeiras ostentando o símbolo do integralismo, o “sígma” (letra grega maiúscula, símbolo matemático que significa soma), acorriam ao local, para ouvir o pronunciamento do seu líder.
Eram homens, mulheres e crianças uniformizados que, na disputa de um melhor lugar para vê-lo, subiam no muro da casa dos meus pais, em frente (segundo relato de minha falecida mãe).

Em meio ao vozerio da aglomeração dos adeptos, destacavam-se brados entusiastas e encorajadores de “anauê”, saudação integralista, originária de uma interjeição da língua tupi, que significa: meu amigo, meu irmão!

No cenário político nacional, o ano de 1937 entraria para a História do Brasil, por ser o início de um novo regime, o “Estado Novo”, a “Ditadura Vargas” quando, por um decreto presidencial, todos os partidos políticos foram fechados, inclusive o “Integralista”.
Partidários mais exaltados, inconformados com tal situação, planejaram um golpe para tirar Getúlio Vargas do poder, eclodindo a “Revolta Integralista”, a 11 de maio de 1938, quando o Palácio Guanabara foi atacado. A guarda palaciana resistiu e uma luta foi sustentada por cinco horas, quando chegaram reforços.

Foram derrotados os integralistas, sendo efetuadas centenas de prisões. A partir daquele momento começavam as perseguições aos adeptos do extinto partido.

Como Prof. Omar era muito conhecido por suas convicções políticas, receoso de sofrer alguma punição, mudou-se para São Paulo, onde permaneceria por muitos anos, com sua família.

Na casa onde residira Prof. Omar, veio morar a família de Nágila Jasbique (de origem libanesa), procedente do Rio, por motivo de saúde de um dos filhos, que estava tuberculoso. O outro filho, estudante de medicina, militante do Partido Integralista, estava preso na Capital. Acabaria morrendo, em consequência dos maus tratos e das torturas que sofrera na prisão. Algum tempo depois, a desditosa família retornaria ao Rio de Janeiro.

Para o seu lugar, veio residir a família de Dr. Eurico Xavier de Brito, que prestava assistência médica aos funcionários da “Estrada de Ferro Leopoldina Railway”. Sua esposa, D. Elza Pamplona Xavier de Brito era professora de piano. O casal tinha um menino de nome Eraldo e, em breve, a família seria enriquecida com o nascimento da menina Eunice (nossa futura “Miss Estado do Rio” e Sra. Eunice Lobo).

Por volta de 1943, a família Xavier de Brito se mudou para a Av. Rui Barbosa nº 15 (atual Galdino do Valle Filho), sendo substituída pelas irmãs do futuro político e vereador Sebastião Pacheco, o “Tião Procópio”. Eram elas: Maria, Wanda, Yvone, Ida e Isa. Elas eram apreciadoras do tango – ritmo musical dominante na época – e, ao entardecer, colocavam na vitrola, dentre outros, o disco “Adios Pampa Mia”.

Em 1947, o proprietário Valentim Bizzotto vendeu o imóvel 76 ao comerciante Aristides Machado que, no mês de julho do mencionado ano, tomou posse do mesmo, com sua família.
“Seu Machado” era proprietário do “Armazém Brasil”, situado no começo da Rua Souza Cardoso, no Suspiro. Sua esposa, D. Hermínia, pertencia à família Mendes, de conceituados fazendeiros em nosso município, na região de Salinas.

O casal tinha uma prole numerosa, composta de sete filhos: Wander, Nilton, Arlete, Eneias, Renato, Rui e Leila. Os meninos mais novos, Renato e Rui, fizeram logo muitas amizades com os outros garotos da rua. Realizavam campeonatos de bola de gude e de pião; empinavam pipas; jogavam “pelada”, no campinho existente no local onde, hoje, se encontra o SENAI. A menina Leila, mais nova dos sete filhos, brincava comigo de “casinha”.

A família Mendes Machado permaneceu por duas décadas, na moradia de nº76. Durante este período, muita coisa aconteceu: as crianças cresceram; os adolescentes se tornaram adultos; todos estudaram; seguiram profissões diferentes; se casaram, deixando a casa dos pais. A vida seguia seu curso normal, mas uma tragédia ocorrida na noite de 9 de outubro de 1965, faria da casa 76 uma testemunha muda do sofrimento do casal Aristides-Hermínia e demais familiares.

O filho Renato, que dava a sua contribuição, servindo de porteiro, num jogo de futebol em benefício da Santa Casa de Misericórdia (atual Hospital Raul Sertã), foi baleado, mortalmente, na entrada do Estádio do Friburgo Futebol Clube, na Rua Dante Laginestra. O projétil atingiu seu coração.

Por volta de julho de 1969, “Seu” Machado, a esposa e a filha Arlete se mudaram para um apartamento do edifício de nº 75, da Rua Augusto Cardoso, pois a casa da Rua Fernando Bizzotto ficara muito grande para eles. Esta, por algum tempo depois, foi alugada para o SESC, que ali funcionou até meados de 1971, quando passou a residir a família Guedes, pelo período de dois anos.

A seguir, o imóvel passaria a ter uma destinação comercial, sendo clínica médica infantil e clínica médica nefrológica do filho do proprietário, Dr. Rui Mendes Machado, com exceção do breve período entre final de 1977 e 1979, em que o referido médico morou, com a família, por ele constituída.

Entre 1982 e 1985, o médico cardiologista, Dr. Fábio Lara manteve, ali, o seu consultório.

Por último, por mais de uma década, o imóvel foi redação do jornal “A Voz da Serra”, que ali funcionou até 2003.

Atualmente, no local, só existe o seu amplo terreno, transformado num estacionamento de carros, pertencente ao engenheiro Dr. Pierre Bechara Saleme, que construiu o edifício de nº 72, em cujo térreo funciona o SEBRAE, desde 2003.

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