Como surgiu há 85 anos, a Casa dos Pobres de São Vicente de Paulo

24/05/2018 16:46:09
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Por volta das últimas décadas do Século XIX e das primeiras do Século XX, na cidade de Nova Friburgo, em meio ao modesto casario existente, surgiram prédios comerciais (loja na parte térrea e moradia no sobrado) e vistosas residências, principalmente, na Praça XV de Novembro (Getúlio Vargas) e na Rua General Argolo (Alberto Braune). As Ruas Três de Janeiro (Monsenhor Miranda), General Câmara (Augusto Spinelli) e General Osório eram artérias residenciais, ostentando amplas e belas casas.

Esta última, conhecida por “Rua do Chateau”, devido ao prédio Chateau du Roi (anterior ao do Colégio Anchieta), era quase toda edificada. Logo no início, digno de menção, o imóvel de propriedade do Barão de Mattozinhos (hoje, Colégio Modelo), assim como o majestoso palacete de Dr. Elias Antônio de Moraes, o 2º Barão de Duas Barras (Faculdade de Odontologia). Mais adiante, circundada por belos jardins, a vivenda construída em 1890, por Raphael Sanches e vendida, posteriormente, a José Antônio Marques Braga Sobrinho (a conhecida “Casa Madre Roselli”) e, no final da rua, no nº 377, a Chácara Serpa.

Tal propriedade pertencia ao Sr. José Serpa, que ali morava com a sua numerosa família, sendo possuidor de outros imóveis. Quando ele faleceu, a sua filha “Neném” herdou a parte da chácara onde está situado o imóvel residencial, e mais o terreno que lhe corresponde até a encosta do morro. (À outra filha, Maria Serpa Duarte, casada com Afonso Aguiar Duarte, coube o extenso terreno da chácara, além da Rua General Osório, tendo uma parte do mesmo sido vendida à Estrada de Ferro Leopoldina Railway, para a instalação da Estação de Cargas, atual Quartel da Polícia Militar).

A Sra. “Neném” Serpa ficou residindo no casarão da chácara, passando pelo desgosto de ver sua filha acometida por uma doença mental. Não queria se separar da filha, internando-a numa instituição destinada ao tratamento de tal distúrbio, mas para mantê-la ao seu lado, necessitava de mais pessoas morando com elas.
Foi quando tomou conhecimento de que a Ordem das Irmãs Beneditinas Trapistas, sediada na Bélgica, desejava fundar uma casa no Brasil. Sem dificuldade, entrou em contato com a priora da referida ordem, em francês, idioma falado mundialmente – como o inglês, nos dias atuais- colocando à disposição a sua propriedade em Nova Friburgo.

Aceito o convite, a sua moradia se tornou um convento, nos últimos anos da década de 1910. As Irmãs Trapistas eram monjas de clausura, não mantendo contato com o mundo exterior. Elas se sustentavam com o produto da venda de trabalhos manuais e de doces caseiros. Cuidavam da horta, donde colhiam verduras e frutas para a alimentação diária. Quando faleciam eram sepultadas, no fundo do terreno da antiga Chácara Serpa.

O elo de contato das religiosas com a vida externa era a jovem Elvira Afonso – na sua maturidade viria a ser conhecida por “Dona Elvira da Estação”, por ser a zeladora do toalete feminino da estação ferroviária – que atendia à portaria, fazia mandados de rua, adquiria artigos de armarinho, comprava remédios, expedia correspondência, etc. Ela foi postulante da mencionada congregação, mas não chegou ao noviciado, desistindo da vida religiosa.

As Irmãs Trapistas ficaram em Nova Friburgo, por uns 12 anos, e como não conseguiram jovens vocacionadas para sua Ordem, em nossa cidade, devido à austeridade de suas Regras, retornaram ao seu país de origem, na Europa, ficando vazia a casa que lhes serviu de convento. Desta forma, a desditosa jovem foi internada numa instituição psiquiátrica, em Minas Gerais. Tal vacância, no entanto, seria por pouco tempo, pois D. Antônia Ortigão instalou um serviço social para pessoas carentes, naquele local, auxiliada por Francisco Nunes Pinto, o “Seu Chiquinho Pinto”, e por outras pessoas caridosas, acabando por abrigar alguns desvalidos.

O referido grupo teve, então, a ideia de fundar um asilo, pedindo a ajuda das Irmãs Vicentinas. O Padre José (futuro Monsenhor José Antônio Teixeira) foi o escolhido para ser o intermediário junto à Provincial das Filhas de Caridade, no Rio de Janeiro. Esta deu permissão para que as freiras se instalassem em Nova Friburgo, não tardando a comprar, por preço módico, o imóvel pertencente à Sra. Neném Serpa que, desta forma, facilitou a realização do negócio.

Como ainda os internos eram poucos, o local iria servir, ao mesmo tempo, de asilos para idosos e de casa de repouso e de férias para as religiosas (alguns anos depois, esta segunda destinação seria abolida, devido ao número crescente de abrigados).

Concluídos os preparativos e as adaptações do imóvel, a Casa dos Pobres de São Vicente de Paulo foi inaugurada no dia 28 de maio de 1933, com a seguinte Diretoria: Presidente – Antônia Ortigão; Vice-Presidente- Francisco Nunes Pinto; Secretária- Josina Mouta; Tesoureira- Virtulina Mouta.
Segundo o jornal “O Friburguense” de 4/6/1933 (Arquivo da Fundação D. João VI), quem proferiu o discurso oficial da solenidade de inauguração foi o Dr. Benedito Ottoni, Fiscal do Governo (Inspetor do Ensino), em brilhante improviso, discursando, também, o Padre Paulo Bannwarth, Reitor do Colégio Anchieta. O Padre José Antônio Teixeira benzeu todo o prédio, abençoando, também, um quadro do Sagrado Coração de Jesus e uma imagem de São Vicente de Paulo, patrono da instituição. Terminados os atos mencionados no programa, a Diretoria ofereceu aos presentes uma mesa de doces confeccionados, por senhoras das principais famílias friburguenses. A Banda Euterpe Friburguense alegrou o ambiente, tocando durante toda a solenidade.

Transcorridos 85 anos daquela tarde memorável e analisando-se todo o trabalho realizado, durante este período, por esta exemplar casa de caridade, pode-se afirmar que ela é, na verdade, a realização da parábola do grão de mostarda narrada nos Evangelhos.
A Casa dos Pobres de São Vicente de Paulo começou pequenina, um grãozinho de mostarda, com apenas quatro desvalidos, mas com o passar do tempo tornou-se uma árvore frondosa, abrigando em seus ramos, mais de duzentas aves do céu, que são os seus internos.

PS.- Este artigo foi escrito graças às valiosas informações da saudosa Professora Cândida Mouta (cujas, mãe Virtulina Mouta e irmã Josina Mouta compunham a primeira Diretoria da Casa dos Pobres) e da gentil Sra. Lúcia Sertã (parenta dos Serpa) que me forneceram os dados preciosos e necessários na sua composição.

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