A vida doméstica – Um retorno aos anos 40 (parte II)

28/11/2014 16:59:07
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A faina do lar tinha início com o ritual de acender o fogão a lenha.

Para acendê-lo era necessário, em primeiro lugar, fazer com que os gravetos pegassem fogo, para que daí passasse para a lenha. As cascas secas de laranja facilitavam a combustão dos gravetos. Era indispensável usar o abano de palha para atiçar a chama, não se esquecendo de abrir a portinhola da chaminé, para que a fumaça fosse expelida para fora. Muitas vezes, não era tão fácil tal operação, principalmente, quando a lenha não estava muito seca ou quando havia sido cortada verde.

Neste caso, além do fogo custar muito a pegar, a cozinha era tomada por uma fumaça que irritava os olhos, tornando-os vermelhos e lacrimejantes.

O fogão a lenha exigia uma limpeza periódica da chaminé, evitando que a fuligem acumulada, em suas paredes, se transformasse em espessas crostas escuras que impediam a saída da fumaça ou provocavam incêndios.

A dona- de- casa não podia dispensar os serviços de dois tipos de trabalhadores: o LIMPADOR DE CHAMINÉS e o RACHADOR DE LENHA.

A lenha chegava às residências em carroças puxadas por burros.

Deixada em seu destino, tinha início o trabalho dos RACHADORES que, com afiados machados, a partiam em tocos de dimensões apropriadas com o tamanho do fogão.

A vantagem do fogão a lenha era o aquecimento da serpentina que mantinha, durante todo o dia, a água quente nos lavatórios, pias da cozinha, chuveiro e banheira.

Um grande auxiliar na limpeza das casas era o ENCERADOR, que espalhava a cera nos assoalhos e passava o escovão (a enceradeira elétrica ainda não estava popularizada). Neste mister, um muito conhecido era o negro alto, magro, de meia idade, o “Seu” Antônio, Encerador”, que sempre andava apressado, levando consigo um escovão, como se empunhasse
uma espingarda.

As ceras mais usadas eram “Parquetina” e “Marmita”. Esta última vinha acondicionada num recipiente de alumínio que, posteriormente, poderia ser usado pelo trabalhador, para levar comida para o serviço.

O centro das atenções da dona-de-casa era a escolha do cardápio a ser servido nas quatro refeições do dia: café da manhã, almoço, lanche e jantar, pontualmente, e com toda a família reunida.

As padarias mandavam entregar, no domicílio dos seus fregueses, os pães para o café da manhã e o lanche. Os açougues e os armazéns, também, entregavam as compras, em casa.

As iguarias do almoço não eram repetidas no jantar, onde a sopa precedia os alimentos sólidos. Ninguém se preocupava se iria ou não engordar, fazendo-se muito uso da manteiga. Todos os alimentos eram preparados com gordura de porco ou de coco.

As esposas se dedicavam, inteiramente, às tarefas do lar e à educação dos filhos, desempenhando-as só, ou- dependendo do poder econômico- com o auxílio de empregadas que dormiam no emprego. Um número pequeno delas cumulava as obrigações de dona-de-casa com as de alguma profissão como: professora, enfermeira, costureira, funcionária pública, chapeleira, telefonista.

Aos maridos cabia, inteiramente, a responsabilidade de prover as necessidades e o sustento da família com o produto do seu trabalho, nas mais diversas profissões.

As compras feitas nos armazéns, açougues e padarias eram pagas no fim do mês.

À noite, depois do jantar, a família se reunia em torno do aparelho de rádio para ouvir os sucessos musicais dos famosos cantores, se divertir com programas humorísticos ou se emocionar com românticas novelas, como “Em Busca da Felicidade” e o “Direito de Nascer” (As crianças só participavam se já tivessem feito as tarefas escolares).

Chegado o momento de dormir, os filhos pediam a benção aos seus pais e avós (dos quais beijavam a mão) e se dirigiam aos seus quartos, onde rezavam, com devoção, as orações ensinadas pela vovó.

Moradores das avenidas ao longo do rio Bengalas e de suas proximidades, tinham o privilégio de ter os seus sonhos embalados pelos acordes do coaxar dos sapos e do grasnir das rãs.

Esquecer a janela aberta, era ver o quarto escuro transformado num céu estrelado de cintilantes vaga-lumes.

Muitas vezes, altas horas, ouviam-se os acordes dissonantes e repetitivos que “Xandoca” – um pretinho baixo, beiçola, de pés espalhados – tirava de seu pequeno cavaquinho, enquanto caminhava pelas ruas silenciosas, desertas e mal iluminadas. Uma atmosfera nostálgica pairava no ar, enquanto um denso nevoeiro envolvia a cidade, dando-lhe um aspecto londrino, mas prenunciando que o dia seguinte seria de sol.

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