Médicos intensivistas vivem desafios em tempos da pandemia da covid-19

10/11/2020 20:30:26
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por SECOM RJ

Ser um médico intensivista em tempos da pandemia da Covid-19 é muito mais que ter a função de monitorar as funções orgânicas e perceber alterações em fases iniciais de determinadas doenças. É enfrentar o desconhecido com muita sabedoria e determinação. É se arriscar e abdicar dos próprios interesses, e até mesmo da presença da família, em prol dos pacientes. Com o trabalho do intensivista, é possível intervir decisivamente no prognóstico dos pacientes que se encontram em estados graves. É dessa área da medicina a responsabilidade pelo cuidado das Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Para valorizar e agradecer o trabalho dos médicos intensivistas, que são lembrados no Dia Nacional do Intensivista, 10 de novembro, a Secretaria de Estado de Saúde conversou com alguns profissionais da área para saber um pouco da rotina de trabalho.

O Estado do Rio tem 81.203 pacientes que foram atendidos na rede estadual de saúde com suspeita da Covid-19. Destes, 49.209 foram classificados como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por COVID, sendo que 16.658 dos casos informados foram para UTI, local onde o médico intensivista atua.

Atuante em terapia intensiva há 16 anos, Carlos Rocha, que trabalha no Hospital Estadual Carlos Chagas (HECC), fala da mudança na rotina durante a pandemia.

– Costumamos dizer que esse foi o ano mais ‘intensivo’ na rotina de tratamento dos pacientes das UTIs. Nunca, no passado recente, fomos tão demandados com uma doença gravíssima que acomete as pessoas independentemente das condições físicas e doenças prévias. Foi o momento que mais precisamos ficar focados nas novas terapias e nos estudos científicos – diz.

Segundo Carlos, a inexistência de um tratamento comprovadamente eficaz para o novo coronavírus é um dos fatores que difere os pacientes das demais patologias.

– Ao mesmo tempo em que nos deparamos com a gravidade desses pacientes, alguns deles saudáveis e jovens, também percebemos que, diferentemente das demais patologias, o tratamento no primeiro semestre, auge da pandemia, consistiu em prestar assistência básica, principalmente no suporte respiratório, mantendo os sinais vitais preservados e a ventilação mecânica, que é essencial. O nosso papel tem sido muito importante no início em manter o paciente vivo para o próprio organismo conseguir combater o vírus. Sem a terapia intensiva, dificilmente esses pacientes teriam êxito na recuperação – ressalta.

Ele destaca que numa UTI é importante que haja o entendimento da patologia e a forma que a doença está se desenvolvendo no paciente.

– Sabemos que, para uma mesma doença, existem desfechos diferentes para cada paciente. Isso está relacionado a condições e doenças prévias. Diante disso, é necessário planejar medicação, procedimentos, cirurgias e também aguardar a resposta do organismo. Sempre explicamos isso para as famílias, que precisamos de tempo para entender e analisar corretamente o tratamento do paciente – pontua.

Carlos relembra momentos que mais marcaram durante o atendimento da Covid-19, ressaltando o trabalho incansável para evitar a intubação dos pacientes.

– A equipe fazia de tudo para os pacientes conseguirem se manter respirando sozinhos. Eu via na expressão facial do paciente o medo de ser intubado, muitos deles falavam: ‘doutor, eu não quero ser intubado, porque eu vi na televisão que quando esse procedimento é feito a pessoa morre’. Isso marcava muito a gente, até mesmo em pacientes jovens. Então, a equipe tinha que trabalhar também a ansiedade das pessoas – conta.

Cláudia Falconiere traz em sua trajetória a implementação do primeiro Centro de Tratamento Intensivo Pediátrico (Cetipe) da rede estadual. Com especialidade em Terapia Intensiva e coordenadora médica do Cetipe do Hospital Estadual Adão Pereira Nunes há mais de 20 anos, a médica chama atenção para a importância da prevenção.

– Essa doença vem fazer o papel de um grande alerta para conceitos básicos, como lavagem das mãos e higiene. A medicina começa na prevenção, então a educação sanitária da população é muito importante, não apenas para prevenção da Covid, mas para várias outras doenças igualmente graves – declara.

Cláudia desmistifica a ideia de que o intensivista fica fechado no CTI, pois o profissional precisa atuar juntamente ao lado de uma equipe multidisciplinar.

– Ele também é um divisor de águas por atuar no momento em que o quadro do paciente está potencialmente grave, evitando o avanço da doença com a monitoração contínua. Queremos mudar a ideia de que o intensivista fica isolado no CTI. São profissionais intensos em tudo. A intensidade da ação está naquele momento que vai ser fundamental para salvar uma vida – afirma.

Uma das ações para diminuir a angústia no momento de internação e aproximar os responsáveis das crianças é “interná-los” para que possam ficar 24h ao lado dos filhos.

– Neste momento de pandemia, não há visita de responsáveis enquanto a criança está intubada. Todos os dias, a equipe emite boletim diário via telefone. No momento que o paciente sai do respirador, os pais ficam internados junto com a criança dentro do isolamento, sem poder sair, até mesmo para comer. O mais incrível é que eles aceitam prontamente, e essa iniciativa tem dado muito certo. Na hora que a criança está mais agitada a presença dos pais acalma – avalia.

O intensivista do Hospital Estadual Azevedo Lima Felipe Ribeiro Henriques atua desde 2003 na unidade e vê neste momento difícil uma oportunidade de aprender e vivenciar novas experiências.

– Atuar como médico na pandemia é uma experiência única, pela questão social e humanitária, que está na missão de ajudar pessoas, no dever de salvar vidas e no chamamento à vocação. É um cenário que a humanidade precisa de ajuda e de cuidado de saúde, e a ajuda médica é imprescindível. É um momento que requer muito trabalho e, ao mesmo tempo, muito gratificante, afinal, poder ser útil é uma das melhores oportunidades da vida – afirma Felipe.

Para Felipe, lidar com a morte, mesmo com 17 anos de atuação, não é algo fácil.

– É doloroso lidar com sofrimento o dia inteiro, vários medos ao mesmo tempo, o próprio medo de adoecer, o de perder as pessoas que gosta, de perder vários pacientes. É muito difícil para um médico lidar com a perda dos pacientes, mesmo quando foram colocados todos os esforços para salvar aquela vida. Essa perda dói afetivamente e profissionalmente – completa o médico.

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