LEITURA: Resenha do novo livro de Irapuan Teixeira Guimarães

11/02/2019 11:10:06
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Um Jogo Sutil

Nesse novo trabalho, Irapuan nos apresenta seus contos e crônicas, sem perder de vista sua verve poética destilada sem trégua ao longo de décadas em inúmeras publicações. Operário da palavra, desde os idos de 60, é também ator, tendo trabalhado em novelas na Rede Globo, assim como, em montagens teatrais importantes nas décadas de 70 e 80. Seus textos e poemas têm uma conexão especial com o teatro e nesta obra, especificamente, estão reunidos escritos de várias épocas, alguns publicados em jornais, outros não. Sua mente inquieta nunca teme o desconhecido, ela o desafia. Sua vida, muitas vezes, é o cenário ou o próprio palco. “ E ela me disse também que tudo passa. Não acredito. Eu acredito que tudo fica”, diz ele no conto Ruas Paralelas, ratificando seu estilo de criador de sentenças marcantes. Em outros momentos, não há um compromisso cego com os protocolos linguísticos no sentido daquilo que se espera de um texto dentro dos modelos mais comumente utilizados. Suas impressões a respeito do mundo também passam pela forma engenhosa e surpreendente de brincar com esse ramo da ortografia fazendo com que a leitura jamais se torne mecânica, pelo contrário, há uma clara necessidade – que fica explícita nos primeiros momentos da interação – de redobrar a atenção a cada curva, pois há o perigo de derrapar e perder o contexto. São muitas velocidades, num mesmo conto ou crônica, que exigem atenção para que não se perca o fio da meada. Para quem está acostumado ao formato padrão de construção frasal e pontuação, cuidado! Há uma proposta de um novo roteiro. É um jogo sutil onde as coisas nunca estão a mão, não são “óbvias ou ululantes”, como diria Nelson Rodrigues, uma das gratas influências que se sente, hora ou outra, no ambiente do livro. Irapuan passou a vida lendo o que há de melhor e memorizando poemas, que até hoje sabe e diz a hora que quer. “O que quero dizer não é assim tão fácil, é apenas uma reflexão desenfreada e solta no espaço do peito como um cavalo selvagem”, diz ele. Esse coração desarvorado não economiza nas cores, nos cortes cênicos, na luz. Nesse novo livro estão suas vivências e impressões sobre política, amor, amizade, relacionamentos e contos, onde às vezes, a realidade não é a base sobre a qual transcorre a ação. Um cardápio interessante e sofisticado que prima pela caneta precisa de alguém que conhece os meandros mais sutis da arte de escrever e que escreve, às vezes, como quem quer interpretar. Essa presença da teatralidade está em seu dna e agrega ao seu estilo outra característica interessante que é utilização da palavra de forma a expô-la ao máximo de sua significação, sem pena. Seu manancial poético, presta serviço agora às suas estórias, fazendo um contraponto preciso e colorindo-as de um jeito próprio. “Não se mata os micróbios da mágoa assim tão rapidamente, como se lava um copo”, do conto Abelha Raivosa, – que é o significado de seu próprio nome em tupi-guarani – dá bem a medida disso, de quanto a poesia e o teatro estão presentes em cada centímetro da sua mente criativa. Um casamento que aponta para a narrativa de sua própria vida: um diálogo permanente entre o palco, textos e poemas, que revelam sua intensa maneira de interagir com seu público, apostando sempre na emoção como instrumento para a fruição da palavra. No conto Se Fosse Fácil Morrer, ele diz “O homem nunca se acha quando se quer encontrar a todo custo…”, movendo-se também na direção de refletir sobre suas experiências mais profundas, sempre na frente do leitor, como se estivesse numa conversa íntima, sem medo de enfrentar seus erros ou suas dúvidas. Sempre admirei essa postura, por acha-la não apenas corajosa, mas também, por senti-la absolutamente sincera e desprovida de quaisquer ornamentos. Aliás, há um verdadeiro desprezo por eles e uma ação consciente na verticalização das ideias e sentimentos. Assim como em seus poemas, esses contos e crônicas vem consolidar um estilo forjado numa mistura do que há de melhor na língua portuguesa. Irapuan, passou a vida escrevendo. Interpretando. A palavra sempre foi o centro e a emoção sempre foi uma parte importante dessa estória. Como ele diz em seu poema “Patrimônio” – do livro Rituais – : ”A palavra é meu patrimônio. Se não digo o que penso, o que sinto, quem o dirá?” A construção de um poema, conto ou crônica é sempre um ato de fé, mas também de conhecimento profundo das relações mais sutis entre as leis da escrita, as do coração e o timing, que nada mais é do que o ritmo das coisas. Essa argamassa deve dar ao leitor o desejo de se deixar levar pela proposta e não perceber o impiedoso passar das horas. Contos e crônicas são plataformas onde a mente se permite, com facilidade, ser livre o quanto puder para criar cenários, personagens, sons e cores, fazendo emergir arquivos íntimos e nos tornando um pouco co-autores da estória, nesse momento mágico do ato de ler. O Fio da Meada, de Irapuan, nos dá oportunidade de fazer esse saboroso exercício e acessar regiões, talvez, pouco exploradas de nossas experiências, “…como arrumar a mala e partir e se organizar de sonhos…” como ele diz em Gaivota Sem Pouso. Explorar essas páginas é algo prazeroso e surpreendente. Seu jeito de contar estórias inclui um jogo subjetivo, onde a presença do leitor faz parte do processo, assim como no teatro, observando, sentindo, refletindo, na cadência de cada frase, abrindo possibilidades para que através de suas próprias conjecturas na direção da eterna busca pelos porquês da vida, também façamos a nossa. Afinal, como ele afirma, de forma lapidar, em uma de suas crônicas: “inútil é a falta de amor no que se viveu.” Boa leitura!

Giovanni Bizzotto

O Fio da Meada, Irapuan Teixeira Guimarães – Clube de Autores, 101 págs.

https://www.clubedeautores.com.br/livro/o-fio-da-meada#.XGF0tVVKjIV

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