“Quem não gosta de samba.. bom sujeito não é”

22/02/2017 10:17:16
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“Quem não gosta de samba… bom sujeito não é” (Dorival Cayme)

Em poucos dias, estaremos em pleno “Reinado de Momo”, com os desfiles grandiosos das famosas Escolas de Samba, que levam a multidão ao delírio. Eu, também, sou tomada por grande sentimento de entusiasmo e de encantamento e, retroagindo no tempo, me vejo no final do Século XIX início de XX, na cidade do Rio de Janeiro.

Naquela época, após a Abolição da Escravatura, muitos foram os ex- escravos que deixaram a Bahia e vieram para o Rio que, por ser a capital do país, oferecia maior oportunidade de trabalho. Eles se fixaram em bairros mais modestos da cidade, onde já era grande a população negra, como Saúde, Gamboa, Valongo e imediações do Rocio Pequeno (atual Praça XI de Junho), conhecida por “Pequena África”, o reduto do samba.

Justamente, nesse local, veio a residir uma negra baiana-nascida em Santo Amaro da Purificação -Hilária Batista Almeida que, com seu traje típico, colocava seu tabuleiro, na Rua Sete de Setembro, onde vendia os seus quitutes típicos. Casou-se com o servidor público João Batista da Silva, tendo 14 filhos.

Mãe de Santo confirmada como Ciata de Oxum, passou a ser chamada e conhecida por Tia Ciata. O seu terreiro de candomblé, em sua casa, na Rua Visconde de Itaúna 117, era uma referência na cidade-com festas grandiosas nos dias dos santos Cosme e Damião e de N. Sra. da Conceição- assim como suas rodas de samba.

Elas eram frequentadas pelos sambistas cariocas, Sinhô, Heitor dos Prazeres, Donga (Ernesto dos Santos), João da Baiana, Pixinguinha(Alfredo da Rocha Vianna Filho), Mauro Almeida, Caninha( José Luís de Morais), João da Mata, pelo baiano Hilário Jovino Ferreira, ocasião em que se dançava o popular “miudinho”.

Numa dessas memoráveis reuniões, foi composto “Pelo Telefone”, o primeiro samba a ser gravado no Brasil, em 27 de novembro de 1916, registrado apenas nos nomes de Donga e de Mauro Almeida, mas reivindicado por vários músicos que participavam dos referidos encontros.
Por essa época, o prestígio de Tia Ciata aumentou, quando, fazendo uso de ervas, curou uma ferida na perna do Presidente da República Venceslau Brás (1914-1918), que há muito o incomodava, por não obter a cicatrização.

Outras “tias”, também, apadrinhavam o samba, em suas casas: Tia Amélia (mãe de Donga), Tia Prisciliana (mãe de João da Baiana),Tia Veridiana(mãe de Chico da Bahia), Tia Mônica(mãe de Pendengo), Tia Bibiana, Tia Rosa, Tia Sidata (até hoje, as “tias” são reverenciadas nas Escolas de Samba, nas tradicionais “Alas das Baianas”.

Pelos relatos acima, têm-se a ilusão de que as pessoas podiam se reunir, em qualquer local, a qualquer hora, numa roda de samba, mas era outra a realidade. Se de um ajuntamento, num lugar público, surgisse o som de um cavaquinho ou de um violão, seus integrantes – principalmente se fossem mulatos ou negros – eram considerados malandros e perseguidos pela polícia. Nos dias de Carnaval é que gozavam de mais descontração, para exteriorizar a sua musicalidade.

Muito mais de um século havia se passado e, ainda estava bem viva, na memória do povo, a rigidez com que o Governador Geral Luís Vahia Monteiro (o “Onça”) havia combatido o crime e a desordem, perseguido a malandragem e, também, amantes da noite, que se reuniam, dentre outros locais, na Lapa e no Beco ou Arco do Telles. Ao grito de- Aí vem o Onça! – tabernas se fechavam, mulheres gritavam, bêbados se escondiam, boêmios se esquivavam e os mais espertos corriam (Até hoje, quando queremos explicar que algo é de um tempo muito antigo, dizemos: “É do tempo do Onça”).

Já em 12 de agosto de 1928, na Rua Maia de Lacerda 27, no Estácio, foi fundado o bloco “Deixa Falar”, em casa do Sargento da Polícia, Chystalino, pai do sambista Biju e de outros sambistas como Bide, Marçal, Nascimento, Saturnino, Nilton Bastos, Sílvio Ferreira, Oswaldo Papoula, o niteroiense Ismael Silva e o friburguense Juvenal Moreira da Costa, o “Joca”( tio-avô do saudoso Luisinho Brasil). Nascido em Nova Friburgo, em 1891, o “Joca”, já na adolescência, muito ligado à Banda Campesina, ao atingir a sua maioridade, foi para o Rio, a fim de cursar o magistério e se especializar em matemática. Abandonou os estudos, optando por trabalhar como agente contábil do Porto do Rio, residindo no Largo do Estácio, onde a sede da agremiação “Deixa Falar” ficava nas imediações da Escola Normal do Rio de Janeiro.

Devido à proximidade entre ambas, e por analogia, Ismael Silva sugeriu que o título de bloco da “Deixa Falar” fosse substituído por “ escola”, argumentando que ela formava professores de samba, assim como a Escola Normal formava professores em letras e números.

A “Escola Deixa Falar” desfilou pela última vez, no Carnaval de 1932, chegando ao seu fim, após uns quatro anos de atividades. No ano seguinte, seus antigos integrantes se juntaram aos blocos “União das Cores” e “Cada Ano Sai Melhor”, e outros do Morro de Estácio, fundando uma nova escola, a“ Estácio de Sá” (inicialmente chamada São Carlos) inspirados nas cores do América Futebol Clube, vermelha e branca.

Estava lançada a semente. Ao longo do tempo, dezenas de escolas de samba despontariam não só no Rio, como pelo Brasil afora.
Em 1935, o Prefeito do Rio (Distrito Federal, na época), Dr. Pedro Ernesto legalizou as escolas de samba e oficializou os seus desfiles,ano em que foi lançada a marchinha carnavalesca “Cidade Maravilhosa” de André Filho e que por decreto, se tornaria hino oficial da cidade do Rio de Janeiro, em 1960.  

“EU SOU O SAMBA/SOU NATURAL AQUI DO RIO DE JANEIRO”, afirmou de Zé Keti, numa de suas composições. E podemos completar, A ESCOLA DE SAMBA É CARIOCA, também.

Interessante, é que conforme a região do Brasil, e de outros países, em que os negros se fixaram, a sua cultura musical, influenciada por elementos locais, foi produzindo ritmos ricos e variados: 

No RIO DE JANEIRO, o samba, o samba-canção, o samba de breque, o samba-enredo, o partido- alto, o pagode, o chorinho, o maxixe, a bossa-nova (derivada do samba com influência do jazz); na BAHIA, o axé, o samba-reggae (criado nos blocos afros); em PERNAMBUCO, o frevo; no NORTE de SÃO PAULO, no VALE DO RIO PARAÍBA DO SUL, em MINAS GERAIS, no SUL do ESTADO DO RIO, o caxambu ou lundu; em PERNANBUCO, na BAHIA, no ESTADO DO RIO, a capoeira (misto de música e arte marcial); em GOIÁS e MINAS GERAIS, a congada. Na AMÉRICA CENTRAL, o mambo, a rumba, o merengue, o reggae, a salsa, o chá-chá-chá, o calypso, a milonga. Nos ESTADO UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE, o swing, o jazz, o blue, o country, o gospel, o rock and roll (oriundo do jazz e do blue).

Os negros que com seu trabalho- regado a suor, sangue e lágrimas-contribuíram para o desenvolvimento e a riqueza das Américas, ao entoarem os seus cantos, nas senzalas, qual lamento, não imaginavam que a sua cultura musical seria reconhecida e admirada não só por humildes e anônimos, mas por doutos, ricos e por personalidades de destaque internacional.

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