Que coisa boa!

23/10/2015 16:08:31
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Que coisa boa, ela disse, ao saber que eu tinha chegado. Quem me anunciou foi outra tia, também muito querida, que estava ali no quarto àquela hora. Ouvi a frase auspiciosa naquele momento, sem saber que a exclamação ficaria comigo para sempre. Ela morreu praticamente no dia seguinte. E depois do dia inteiro ao seu lado, a frase que ouvi pela manhã, foi tudo o que ela disse, fora um ou outro muxoxo de muita dor, aplacada com doses de remédio.

Impensável ver assim minha madrinha. Meu anjo, meu feixe de luz, minha alegria em forma de gente, meu sorriso vermelho, minha boca grande, meu dente encavalado, meu cabelo preto, muito preto liso, curto e escorrido, minhas mãos preciosas com veias que saltavam de vida, meus gestos lindos, minha tia querida, alegre de alegria genuína, amante das coisas alegres, das coisas boas, das genuinamente boas, do artesanato, do handmade, dos laços de família, do apoio incondicional aos pais que se foram, à dezena de irmãos e aos sobrinhos – filhos que não teve.

Impensável ver assim minha madrinha e sua voz doce. Mas não era doçura. Minha voz alegre, mas não era alegria; minha voz de concha, minha voz de abraço. Tonina, tia Antonina, Maria Antonina, Tia Tu. Titia tinha voz de abraço, voz de afeto, voz de calor e o sotaque cantado e mineiro da nossa alma de família ecoando, ecoando, ecoando na sua oferecida luminosidade. Não era só minha madrinha, nem só minha a tia querida, era toda nossa, todinha, minha e de cada um, inteira em sua mais-que-bondade, porque não era bondade. Era tudo o que dava à família um colo de amor e suavidade.

Impensável vê-la assim. Mas e agora, vida afora? Não foi pensamento. Foi, sim, minha tia ali, minha madrinha, meu anjo, a pessoa que me encheu de presentes espirituosos e – no mais das vezes – inesquecíveis, desde criança. Presentes sempre, sempre, sempre alegres; sempre coloridos; sempre criativos; sempre inspiradores; sempre evocadores do que há, na vida, de bom e de melhor: a singeleza da alma, a beleza, a simplicidade. Nada de ouro, nada de lata.

Presentes alegres para mim que reverberavam nas outras pessoas – e reverberam ainda, quando uso uma blusa, um brinco, um livro, uma gamela, um colar, uma túnica da Elvira Matilde. Coisas das quais passei a me cercar, a trazer para mais perto de mim, do meu cotidiano, quando ela começou a adoecer. Tão, tão rápido. Passei a reunir e somar presentes e detalhes, não tinha a noção de que eram tantos e tão variados ao longo de tanto tempo.

Ela se foi, em Belo Horizonte, no dia seguinte à minha visita expressa. E continuou me presenteando. Saí de BH com um colar novo, que é a cara dela, que veio por meio de minha mãe, da feira de artesanato e, de tão simples e elaborado, enobrece a quem usa, alegra a quem vê. Ela continua me presenteando quando rememoro a natureza da sua presença inesquecível. Hoje, dia do meu aniversário, vejo, agradecida, que ela me presenteou por fim, com essa frase que agora mora em mim. Que coisa boa!

Te amo Tiantonina!

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