MEU PAI, MEU HERÓI!

07/08/2015 11:49:55
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Quero escrever uma crônica em homenagem ao meu pai, Salim Lopes, mas sinto certa dificuldade, pois são tantas imagens, lembranças, recordações, que não sei como iniciar.

Sempre presente, em todos os momentos, jogava bola comigo; participava de rodadas de dominó, jogos de dama e de corrida de carros, quando eu brincava com outras crianças; apresentava rudimentares truques de mágica para a gurizada. Ele era um COLEGA.

Nas tardes de domingo (eu sentada no quadro de sua bicicleta), passeávamos pelas ruas vazias de nossa cidade, numa época, que os carros estavam proibidos de circular, devido ao racionamento da gasolina, consequência da 2º Guerra Mundial. Era um COMPANHEIRO .

Quando Chefe do Centro de Saúde, na Rua Dona Umbelina (hoje, Augusto Cardoso), ao fazer serões, para preparar relatórios, papai me levava com ele. Enquanto trabalhava numa máquina de escrever, me colocava em outra, onde eu “catava milho”. A vantagem foi que de grão em grão, eu progredi, de tal modo, que não precisei fazer o curso de datilografia.
Na parte dos fundos, ficava o almoxarifado, onde eram guardados vários materiais, como o da secretaria. Papai nunca permitiu que eu trouxesse um lápis, uma borracha, um bloco de papel, mostrando que a honestidade começa a partir das pequenas coisas. Era um EDUCADOR .

Na minha fase de estudante ( ginásio e científico), nos deveres de casa, ele tirava todas as minhas dúvidas de matemática, português, francês, inglês, latim. (Também, havia sido professor, no Colégio Modelo, de Ciências Naturais e de Biologia). Ele era um SÁBIO.

Sanitarista diplomado pelo Instituto (Fundação) Oswaldo Cruz, foi nomeado Inspetor da 3º Região Médico-Sanitária cuja sede era Nova Friburgo, abrangendo os municípios de Cachoeiras de Macacu, Bom Jardim, Cordeiro, Cantagalo, Duas Barras, Sumidouro, Santa Maria Madalena e Trajano de Moraes. No exercício deste cargo, ao constatar que faltavam medicamentos básicos, em alguma unidade, não esperava que a burocracia retardasse a entrega dos mesmos. Ia, pessoalmente, ao laboratório (oficial) de Jurujuba (Niterói) e lotava o carro de remédios, a ponto da traseira do mesmo ficar arreada. Nos dias subsequentes, efetuava as entregas, dirigindo por estradas de terra, poeirenta, esburacadas ou lamacentas, com atoleiros, que não eram asfaltadas. Dirigia, solitariamente, pois ainda não contava com motorista para o carro oficial mas, com a ajuda divina, nunca se acidentou. Ele era umHERÓI.

Como Clínico-Geral, foi médico de várias gerações de muitas famílias, estabelecendo com elas duradouras e sinceras amizades. Cuidava em manter os seus honorários, sempre, módicos, com preço acessível a todos, sempre pronto a atender, com o mesmo desvelo, quem fosse desprovido de recursos. Quando viajávamos para uma cidade do interior de Minas, que não contava com médicos, levava estetoscópio, aparelho de pressão, para dar atendimento a quem precisasse. Era um devotado PROFISSIONAL.

Atencioso para com todos, não fazia acepção de pessoas, tratando-as igualmente, independente de raça, credo religioso, ideologia política, classe social. Além disso, tinha o dom de perdoar quem o ofendesse ou tentasse prejudicá-lo. Era um CRISTÃO.

Nos momentos difíceis, prestava a sua solidariedade aos que choravam a perda de seus entes queridos e ais que necessitavam de uma visita. Era um AMIGO.

Na literatura, o seu ícone era o escritor d’Os Sertões, o cantagalense Euclides da Cunha, cultuando a sua memória, como se fosse um seu antepassado. Era um INTELECTUAL.

Testemunha do grandioso trabalho realizado pelo médico-sanitarista Dr. Mário Pinotti, no final da década de 40, do século XX, na erradicação da malária, na Baixada Fluminense – que ceifou tantas vidas e levou aquela região à decadência – não se conformava com o esquecimento a que o referido médico estava relegado. Sempre que tomava conhecimento da presença de algum político influente, em nossa cidade, ia ao seu encontro reivindicar uma estátua, um hospital, um posto de saúde, uma rua, em homenagem ao competente e saudoso médico. Morreu sem ver o seu sonho realizado. Ele era dotado de profundo sentimento de GRATIDÃO.

Sempre foi um chefe de família dedicado, carinhoso para com os seus , e a sua alegria consistia em ver a minha felicidade. Assim, era meu PAI.

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