A projeção nas relações

09/06/2017 09:35:19
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Todos nós gostamos de presumir que sabemos bastante a respeito de nós mesmos! Provavelmente isto é verdade num nível consciente, aonde vamos nos definindo e modelando através das escolhas que fazemos, baseadas em julgamentos de valor. Sabemos de nossas virtudes e falhas, de nossas forças e fraquezas, de nosso gostos, antipatias, objetivos e propensões. Mas mesmo um autoconceito tão limitado, é ainda algo bastante grandioso para a grande maioria das pessoas, que se define geralmente apenas por um nome e uma família, mal sabendo perceber os próprios sentimento e pendores. Perambulam pela vida portando um corpo e uma consciência que não conseguem controlar, ocupando um lugar na vida por necessidade de sobrevivência e adequação, mobilizadas por necessidades materiais, por condicionamento social, sem qualquer objetivo, e, aparentemente, ao acaso.

No entanto, se pegarmos alguém perspicaz o suficiente para se conhecer e se auto definir – o que é raro – ocorre um fenômeno bastante curioso. Peça a ele que se descreva, e se ele for bastante honesto consigo mesmo e com o outro  – o que é mais raro ainda – pode ser que ele faça um autorretrato bastante abrangente de sua personalidade. Mas então… Peça ao seu cônjuge para descrevê-lo, e parecerá que está falando de outra pessoa. Surgirão traços de comportamento e personalidade que a própria pessoa parece desconhecer! Continue pesquisando e pergunte aos seus filhos, ao seu pai, à sua mãe, aos seus amigos, ao seu patrão, aos seus colegas de trabalho, aos universitários… Você perceberá em cada um uma descrição totalmente diferente! Aparecerão traços de caráter diametralmente opostos! Qualidades que a própria pessoa não sabia possuir! Serão atribuídos a ele objetivos que são os menos importantes em seus valores! Aparecerão defeitos no lugar onde ele acreditava possuir qualidades!

Mas porque isto acontece? Porque o nosso observador vê apenas aquilo que ele decide ver, através da lente de sua própria psique. E como estas lentes estão tingidas pelas cores atribuídas aos nossos conceitos duais de realidade, é inevitável que saibamos muito menos a nosso respeito do que supúnhamos. Todas estas definições serão verdadeiras, mais ainda assim parciais e limitadas. E da mesma forma que não nos conhecemos profundamente, e não conhecemos nossas verdadeiras motivações, dificilmente poderemos também conhecer profundamente o outro, descobrir suas reais motivações, e defini-lo.

Em termos de relacionamento, talvez a mais importante ferramenta que tenhamos para investigar nossa psique seja a projeção. Sempre que reagirmos emocionalmente a outra pessoa, positiva ou negativamente, estaremos tendo a oportunidade de encarar o nosso próprio inconsciente. E quando mais forte a resposta emocional, mais profundamente inconsciente e rejeitado é este aspecto particular em nós.

Esta é uma tarefa para toda a vida: introjetar, reconhecer e reintegrar em nós estas qualidades inconscientes projetadas pelos outros de volta para nós. Dessa forma, poderemos também começar a delinear verdadeiramente o outro. Porém, quanto mais nos afastarmos deste outro, ou rompermos relações, mais estaremos nos distanciando de nós mesmos, e viveremos presos à ilusões de quem somos, às máscaras que criamos a nosso respeito, dolorosamente gratificados pela valente covardia diante de nós mesmos. A projeção é algo que não nos surpreende, uma vez que é tão mais fácil continuar culpando os outros por nossa dor, ao invés de reconhecermos que possuímos luz e sombra dentro de nós, e que a realidade que vivemos é aquela mesma que construímos. Aceitar a dolorosa e onipresente possibilidade de estarmos errados é muito desagradável, porque significa abrir mão de muitas ilusões alimentadas há muito tempo a respeito de nós mesmos. Viver a vida sem estas ilusões requer coragem, verdade e senso moral, que é algo totalmente diferente do conceito de moralidade social.

É através da projeção que poderemos eventualmente chegar conhecer o que há de oculto em nós, caminhando para abranger amorosamente todos os aspectos luminosos e sombrios de nossas essência. Somente assim, integrados em todos as nossas facetas de personalidade, poderemos conquistar a Unidade, aprendendo aos poucos a difícil arte de amarmo-nos incondicionalmente e também ao outro. Essa é a valiosa lição ofertada pelas relações. Aprendamos a nos enxergar no outro. Será neste processo de espelho após espelho que cresceremos em nossa capacidade de amar e sermos amados.

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