STF decide que ex-moradora de Lumiar será extraditada para EUA

12/04/2017 07:16:58
Compartilhar

Presa há um ano em Brasília, Claudia Cristina Sobral, de 51 anos, tornou-se, recentemente, a primeira pessoa nascida no Brasil a se ver diante de uma extradição iminente. Por três votos a um, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que ela seja entregue à Justiça dos Estados Unidos, onde é acusada de ter assassinado o marido há exatamente uma década.

Antes de ser presa, Claudia – que é nascida no Rio de Janeiro e é contadora – viveu reclusa por um longo período no distrito de Lumiar, em Friburgo, quando retornou dos EUA há alguns anos.

LUTA CONTRA EXTRADIÇÃO

A defesa da contadora afirma que aguarda apenas a publicação do acórdão com a decisão para impetrar novos recursos. Enquanto isso, Claudia escreveu e divulgou, através do atual companheiro, uma carta de próprio punho, elaborada nas dependências da Penitenciária Feminina do Distrito Federal.

O documento traz pesadas críticas à condução de seu processo e uma série de ataques ao ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso no Supremo. “O ministro Roberto Barroso obteve a maioria dos votos da Primeira Turma para roubar a minha nacionalidade brasileira e permite que os Estados Unidos, a nação mais poderosa do planeta, me retire do Brasil no prazo de 60 dias”, afirma Claudia na carta, onde a expressão “abuso de poder” é utilizada diversas vezes.

“Fui eu quem levou a notícia sobre a decisão no STF. Ela ficou muito desesperada, muito abalada. Aí quis escrever para mostrar o quanto tudo isso está errado”, diz o motorista Daniel Alves Barbosa, de 46 anos, casado há dez com Claudia.

A principal queixa da contadora, sustentada pelos advogados de defesa, é em relação à perda da nacionalidade brasileira, determinada também pelo STF em abril do ano passado, na mesma decisão em que foi decretada a prisão. Antes, em 2013, o Ministério da Justiça já havia cancelado a cidadania de Claudia, mas recursos levaram o caso primeiro ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, depois, ao Supremo. A Corte entendeu que, no momento em que fez um juramento à bandeira americana, a carioca e ex-moradora de Lumiar abriu mão voluntariamente da nacionalidade brasileira.

“Após 1999 (ano da minha naturalização) e até 2007 (retorno definitivo ao Brasil), eu viajei ao Brasil dez vezes — sempre com passaporte brasileiro devidamente renovado, sendo a última renovação em 2003, quatro anos após a naturalização. Quem não quer ser mais brasileiro não vem ao Brasil e nem renova passaporte brasileiro. Quem não quer ser mais brasileiro não paga imposto no Brasil, não vota nas eleições, não mantém seu registro profissional de contadora ativo, não declara imposto de renda, não possui imóvel”, enumera Claudia na carta, que tem ao todo 63 páginas, incluindo trechos comentados dos autos do processo.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A Constituição prevê que um indivíduo perca a cidadania brasileira no momento em que adquirir outra, exceto em duas situações: se o país da nova nacionalidade reconhecer o vínculo original, o que não ocorre com os Estados Unidos; ou se a naturalização se der para que o brasileiro possa permanecer ou exercer plenamente os direitos civis no exterior. A defesa de Claudia sustenta que a cidadania brasileira deveria ter sido retomada no momento em que ela voltou a se estabelecer em definitivo no Brasil. Além disso, os advogados alegam que a naturalização nos EUA se deu por razões profissionais — embora a contadora já possuísse o chamado “green card”, os salários como contadora teriam quintuplicado após o procedimento.

“Desde o primeiro pedido de extradição, de 1891, de lá para cá até hoje, nunca um brasileiro nato foi extraditado”, garante Adilson Vieira Macabu, ex-desembargador no STJ e um dos defensores de Cláudia: “Quem se naturaliza para poder exercer determinados direitos civis, como o de atuar na profissão de contadora, não perde a cidadania. São mais de 300 mil brasileiros nos Estados Unidos nessa condição, por exemplo. Essa decisão abre um precedente para 200 milhões de brasileiros. Amanhã, qualquer um pode perder a nacionalidade. Gera insegurança jurídica”.

A se confirmar a extradição, algumas medidas impostas pelo ministro Luís Roberto Barroso terão que ser cumpridas pelos Estados Unidos. No caso de condenação em solo americano, Claudia não poderá receber punições que não estejam previstas na legislação brasileira. Além de, assim, ficar determinada como pena máxima os 30 anos de prisão, tal qual ocorre no Brasil, a contadora também não poderá ser condenada à morte, que ainda é aplicada no estado de Ohio.
O CRIME NOS EUA
Claudia é acusada pela Justiça americana de, em março de 2007, ter assassinado o então marido, Karl Hoerig, um condecorado veterano de guerra. A polícia afirma que a brasileira comprou arma e munição dias antes da morte do companheiro, e que teria treinado em um estande de tiro. Depois de atirar três vezes no militar, ainda conforme apontam as investigações das autoridades da cidade de Trumbull, em Ohio, a contadora teria ido direto para o aeroporto, com o Rio de Janeiro como destino final. Ela passou um período reclusa no distrito de Lumiar, em Friburgo e seguiu para Brasília.

Desde então, os Estados Unidos tentam a extradição da carioca, com direito a crise diplomática nos bastidores. Pressionado por discursos inflamados do congressista Timothy Ryan, o então presidente americano, Barack Obama, chegou a tratar do tema numa visita oficial a Lula, em 2011. Às vésperas da Olimpíada do Rio, amigos e parentes de Karl Hoerig pediram o boicote de atletas americanos aos Jogos até que Claudia fosse extraditada.

Em junho do ano passado, a contadora passou por um procedimento chamado “interrogatório para fins de extradição”, referente ao processo que corria no STF. Durante a audiência, ela recusou-se a comentar sobre a tarde em que deixou os Estados Unidos, no mesmo dia em que Karl Hoerig foi assassinado dentro da residência que dividiam.

Durante duas horas e 20 minutos, a carioca relata que a convivência com o americano, com quem casou após dois meses de namoro, era repleta de agressões e violência. Segundo ela, os abusos incluíam tapas frequentes no rosto e a obrigação de andar nua dentro de casa, “usando só salto alto”. Na única referência direta à morte do militar, Claudia diz: “Eu só me defendi no último dia”.

Compartilhar